​​Por que precisamos do Dia da Consciência Negra? E consciência negra é só pra negros? Quem foi Zumbi e Dandara de Palmares? Por que não conseguimos em entender o sentido desta data? Porque precisa ainda de Cotas?

​​Essas são apenas algumas perguntas oportunas e necessárias para entender o Brasil, o que foi a escravidão e os seus efeitos na formação da sociedade brasileira. Como já apresentado em outras oportunidades o Brasil viveu séculos de escravidão mais precisamente, 358 anos, um período marcado por violências que deixaram suas marcas até hoje, isto é inegável.

​​O pós-abolição não veio acompanhado ações sociais para a inserção dos então recém-libertos na sociedade. A realidade foi: políticas de embranquecimento da população, sob alegações que taxavam os negros de seres primitivos, menos inteligentes e mais propensos a doenças e pouca ou quase nenhuma preocupação em revisar a sociedade que, até então, vivia com tranquilidade um sistema onde servidão forçada era algo natural, aceitável e incentivada, além do status que a posse de escravizados oferecia aos “seus senhores”.
​​Não há literatura o que possa retratar as enorme maldades realizadas contra a população negra. Aqui estou falando apenas do básico do cenário catastrófico ao quais os negros foram submetidos. Acoites, torturas, trabalhos forçados e exaustivos, assassinatos, amputações de membros do corpo, sempre foram realizados como forma de demonstrar o que “os senhores” poderiam fazer com sua “propriedade”.

​​A população negra brasileira fora “liberta” depois de grande pressão internacional tornando assim o Brasil, o último país das Américas a abolir a escravidão. E não podemos aqui acreditar que esta abolição tardia, que a marginalização dos negros e negras, que a falta de política de inserção social somada com a falta de políticas sociais de educação, trabalho, saúde, entre outras, não trouxeram até hoje questões sociais que precisam ainda ser reparadas, por isso discutimos cotas e outras ações afirmativas.
​​O racismo esta evidenciado em muitas áreas, por exemplos no campo do trabalho há poucos negros ou negras nos cargos de diretoria, presidência, ou seja nos cargos de mando ou de visibilidade social; no campo da formação somos os que tem a menor escolarização; Na cultura vemos poucas iniciativa pública de valorização da cultura negra e afrobrasileira; Na religião o Candoblé, Umbanda ou quaisquer segmento de religião de matriz africana é tida como coisas do demônio e de fazer maldades (a chamada fazer macumba), pasme os senhores que nestas religiões não existe a figura do demônio como há em outras religiões ocidentais ou seja não existe figura do mal.
​​O Brasil é o país com maior população negra fora do continente africano. Cerca 54% da população brasileira é negra, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estas informações também demonstram dados alarmantes. No grupo dos 10% mais pobres, os negros representam 75% das pessoas, mas entre o 1% mais rico, somam apenas 17,8% dos integrantes.
​​Outro dado de relevância e a questão de mortes da população negra, que segundo a ONU, a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. São 63 mortes por dia, que totalizam 23 mil vidas negras perdidas pela violência letal por ano. O risco de um jovem negro ser assassinado é quase 3 vezes maior que o de um jovem branco, nas mesmas condições e faixa etária. O negro é duplamente discriminado no Brasil, por sua situação socioeconômica e por sua cor de pele. Tais discriminações combinadas podem explicar a maior prevalência de homicídios de negros e por isto precisamos discutir e propor ações públicas que garantam melhor condições de vida para esta população que estão sendo vítima de genocídio diário.
​​O mês Consciência Negra busca refletir sobre estas questões com uma proposta objetiva e central. Precisamos largar o conceito de culpa e abraçar o conceito de responsabilidade. A partir dos dados apresentados notamos que não é ético, tampouco responsável, não realizar as estratégias de enfrentamento ao racismo estrutural e a violência contra a população.

​​É muito oportuno, que possamos refletir também a contribuição da população negra para a formação do Brasil como é hoje. Quero aqui na seqüência apresentar um pouco desta contribuição.

​Na música , além do samba, que é o estilo brasileiro mais famoso no mundo, outros ritmos também vieram de África como Maracatu, Congada, Cavalhada a Puxada de Rede. Além disso, muitos instrumentos musicais tiveram a participação efetiva dos negros e negras entre eles o Berimbau, o atabaque, o agogô, o pandeiro.

​​Já na culinária os ingredientes como o leite de coco, a pimenta malagueta, o gengibre, o milho, o feijão preto, as carnes salgadas e curadas, o quiabo, o amendoim, o mel, a castanha, as ervas aromáticas e o azeite de dendê não eram conhecidos nem usados no Brasil antes da população negra aqui chegar. Muitos pratos conhecidos e apreciados como vatapá, o caruru, o abará, o abrazô, o acarajé, o bobó, os caldos, os cozidos, o angu, a cuscuz salgado, a moqueca e a famosa feijoada. E os doces? Canjica, mungunzá, quindim, pamonha, angu doce, doce de coco, doce de abóbora, cural, paçoca, quindim de mandioca, tapioca, bolo de milho, bolinho de tapioca, entre outros.

​​A contribuição na religiões são também inúmeras, pois na África, há muitas religiões diferentes. Antes de vir para cá, cada um seguia a religião de sua família, clã, ou grupo. Mas quando chegaram aqui, os escravos foram separados de seus parentes e pessoas próximas, para que não mantivessem os vínculos familiares, pois seria mais fácil se organizarem e rebelarem contra a opressão. Por isso, passaram a se reunir com pessoas de outras etnias para realizarem os cultos secretamente. Para que todos pudessem participar, essas reuniões eram uma mistura de cada religião, com rituais e cultura unidos e partilhados. Daí surgiu o Candomblé. A crença nasceu na Bahia e tem sido sinônimo de tradições religiosas afro-brasileiras em geral. A Umbanda, que também tem origens africanas, une práticas de várias religiões, inclusive a Católica. Ela se originou no Rio de Janeiro, no início do século 20. Sabemos que existem muitas outras religiões de origem africana, porém trouxe aqui apenas esses dois exemplos.

​​Quando abordamos as artes marciais brasileiras é impossível não notar a influência africana em muitas delas. A capoeira por exemplo, uma mistura de dança e luta, foi criada pelos escravizados como uma estratégia de defesa. Como os treinamentos de combate eram proibidos, os escravizados que conseguiam fugir mas que eram recapturados ensinavam aos demais os movimentos. Embalados pelo som do berimbau, eles enganavam os capatazes, que achavam que estavam apenas dançando. Assim, eles treinavam nos engenhos sem levantar suspeitas. A capoeira só deixou de ser proibida no Brasil apenas na década de 1930 e em 1953, o mestre Bimba apresentou a arte ao então presidente Getúlio Vargas, que a chamou de “único esporte verdadeiramente nacional”. Aqui trouxe destaque importante para a capoeira que é genuinamente brasileira e Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, porém a influência nos esportes vai muito além da capoeira.

​​A língua falada no país também tem forte ligação com os povos africanos. As línguas africanas exerceram tanta influência no modo de falar do povo brasileiro que a nossa língua é considerada diferente do Português de Portugal. No pais, são usadas cerca de 5 mil palavras de origem africana. A maior parte das palavras que enriqueceram o vocabulário brasileiro vêm do quimbundo, língua do povo banto. Na época da escravidão, o quibundo era a língua mais falada nas regiões Norte e Sul do país.

Termino o uso deste Pequeno Expediente com um refrão da música Corta cana do grandioso Mestre Toni Vargas:

“Trabalha negro escravo, corta cana no canavial. (…)
A alma negra nunca foi escravizada, correu menina levada, brincado no céu de lá, Roubaram o Sol, roubaram a noite e meu dia, só não roubaram a poesia que eu trago no meu cantar.
Eu sou guerreiro tenho fé e tenho crença, porque me firmo na benção, que ganhei dos orixás, Sou cana forte, sou memé cana caiana, minha doçura de cana, é ruim de me derrubar”

​​Agradeço a oportunidade de trazer uma reflexão sobre a questão negra no Brasil. Muito obrigado a todas e todos que puderam prestar atenção e a partir dos dados e dos momentos históricos e atuais refletir sobre as mazelas sociais que ainda estão submetidos a população negra brasileira. Quando falamos em privilégio branco não significa que a sua vida não foi difícil e sofrida, mas sim, que a cor da sua pele não dificultou mais. UBUNTU!

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